Publicado em 01/07/2021 – por Luciana Lima
Devido ao home office forçado e às aulas à distância, muitas profissionais ficaram sobrecarregadas durante a pandemia. Diante disso, empresas e sociedade precisam repensar porque (ainda hoje) o cuidado da casa e dos filhos recai sobre elas.
Segundo uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas publicada em 2018, metade das profissionais brasileiras deixava o mercado de trabalho um ano após engravidarem.
Seja por preconceito, sobrecarga ou falta de rede de apoio, equilibrar carreira e família nunca foi uma tarefa para as mulheres. Esse cenário ficou ainda pior com a pandemia.
Por conta das medidas de isolamento social, home office forçado e aulas à distância, muitas mulheres viram seu trabalho aumentar durante a crise sanitária. Isso porque, salvo raríssimas exceções, elas ainda são as principais responsáveis por manter a casa e os filhos na maioria dos lares brasileiros.
Dados: mães e o mercado
De acordo com uma pesquisa da Catho, 9 em cada 10 mães brasileiras que estão em home office são as únicas responsáveis pelos filhos, que também estão em casa nesse período.
Outro estudo, dessa vez da ONU Mulheres em parceria com a ONG WomenCount, apontou que, embora o tempo gasto com tarefas não-remuneradas como lavar louça ou limpar a casa tenha aumentado para todos durante a pandemia, as mulheres trabalham mais.
De acordo com o estudo, limpar a casa entrou na lista de novas tarefas de 49% das mulheres na pandemia, enquanto 33% dos homens passaram a realizar a mesma função. Cozinhar virou rotina para 37% delas, mas para apenas 16% deles. Para aquelas que são mães, o volume de trabalho é três vezes maior em comparação com os pais.
Não à toa, as mulheres foram as mais afetadas pelo desemprego. Dados do IBGE, mostraram que a pandemia deixou mais da metade das mulheres fora do mercado de trabalho no terceiro trimestre de 2020.
Segundo um relatório da consultoria McKinsey, a pandemia afetou as trabalhadoras de forma tão negativa em termos de desenvolvimento profissional que pode levar meia década para elas recuperarem o prejuízo.
Essa realidade é sentida na pele por Caroline Lima, consultora de Marketing Digital, de São Paulo. Com uma filha de apenas 2 anos, ela já trabalhava em home office durante alguns dias da semana antes da pandemia, mas as medidas de isolamento trouxeram novos dilemas.
“A pandemia veio nos mostrar como essa rotina de trabalhar diversas horas por dia é perigosa e consome nossas vidas. Nesse contexto, as crianças não têm espaço e são colocadas de lado, criadas pelas telas como TVs e celulares”, afirma.
“Pais cansados sempre existiram, mas o coronavírus também mostrou como, para a maioria das mulheres, a rede de apoio consiste apenas na escola. Com as unidades de portas fechadas, as mães não conseguem trabalhar e acabam sendo demitidas ou escolhendo (se é que isso é uma escolha) sair do mercado”, completa a profissional.
Embora tenha uma rede de apoio que ajudou Caroline a continuar com a sua carreira após a maternidade, ela conta que durante a pandemia muitas vezes se viu sem apoio algum. “Sozinha com ela passei por diversas dificuldades. Um dia, por exemplo, eu estava em uma reunião e ela escorregou e caiu. Eu não conseguia amparar minha filha e dar a atenção que uma criança de dois anos demanda porque eu estava trabalhando”, conta.
Por mais equilíbrio nas atividades no home office
Cientes do desafio que, sobretudo, as mães estavam passando durante a pandemia, muitas empresas lançaram mão de práticas que ajudassem a diminuir a sobrecarga dos profissionais que viram suas casas se tornarem escritórios e escolas.
Uma delas foi a Olist, plataforma de e-commerce brasileira. “Ao ouvir relatos de pais e mães sobre a dificuldade de dar atenção às crianças nesse período, identificamos que eles estavam com um desafio extra e que poderíamos apoiá-los nesse momento. Sobrecarga, culpa, ansiedade e irritação eram alguns dos sentimentos presentes”, diz Melissa Guimarães, CHRO da empresa.
Foi assim que, em julho de 2020, a Olist criou o Programa Pit-Stop. A iniciativa consiste em liberar uma hora por dia da agenda de pais e mães da companhia com filhos de até 12 anos para que eles dediquem aos pequenos.
“Trabalhar em uma empresa que te oferece segurança psicológica e que te vê como pessoa acima de tudo, que cuide de você e da sua família, com certeza faz com que o colaborador se dedique mais às suas atividades do dia a dia, o que por consequência impacta positivamente no resultado da companhia”, afirma Melissa.
Outra companhia que também buscou a criação de iniciativas para apoiar a dupla jornada das profissionais foi a agência de live marketing e incentivos Mark Up. A empresa, que conta com 106 funcionários, está trabalhando totalmente de forma remota desde março de 2020.
E, segundo sua diretora de desenvolvimento humano e organizacional, Katia Braga, o modelo será adotado de forma definitiva, mesmo após o fim da pandemia.
Katia, que também é mãe, afirma que a empresa sempre adotou uma postura empática, de ouvir os colaboradores. “Por isso, buscamos conscientizar todo o time, especialmente os gestores, acerca da importância da produtividade positiva, dos acordos nas entregas, do respeito aos horários e do quanto a gestão do tempo é fundamental para todos. Hoje, temos mães no time da Mark Up que trabalham em outro fuso horário, fora do país, então é preciso estabelecer rotinas para que seja possível manter um cotidiano saudável”, afirma a executiva.
Para criar práticas mais assertivas, a empresa mapeou individualmente as necessidades das 16 funcionárias da companhia são mães. “Acreditamos que, assim, podemos dar suporte e entender a realidade que elas têm em casa e se há apoio”, diz Katia.
A executiva afirma que a saúde e o bem-estar dos colaboradores sempre foi uma preocupação da Mark Up, algo que foi intensificado durante a pandemia.
“Trouxemos novos temas, como saúde mental, a importância de fazer pausas e a naturalidade de ter filhos invadindo uma reunião, por exemplo. Além disso, fomentamos parcerias importantes para proporcionar qualidade de vida e bem-estar aos nossos colaboradores, como a de terapia online e de aulas de ioga”, completa.
A romantização do home office
Principalmente no início da pandemia, fotos de crianças e textões no Linkedin pintavam o home office como solução para os pais se dedicarem mais aos filhos. Entretanto, meses após o início do isolamento, a maioria se deu conta de que a realidade é mais dura do que as redes sociais conseguem mostrar.
“Na verdade, existe uma romantização sobre o que a mulher dá conta. Somos cobradas a dar conta de tudo o tempo todo, o que é desumano. E com a pandemia ninguém quer tomar a responsabilidade sobre as demandas. Fica tudo nos ombros da mulher. Economia do cuidado tá aí para nos provar isso”, diz Caroline Lima.
O termo ao qual a profissional se refere, Economia do Cuidado (do inglês care economy) designa a imposição social às mulheres da criação dos filhos, da manutenção da casa e do cuidado com parentes idosos, sem que as tarefas exercidas sejam financeiramente ou socialmente reconhecidas.
Segundo dados do IBGE, as mulheres gastam, em média, 61 horas por semana em trabalhos não remunerados no Brasil. Segundo especialistas, não apenas as pessoas próximas dessas mulheres tiram proveito desses serviços. Isso porque todos os adultos que se tornaram profissionais, por exemplo, tiveram obrigatoriamente de contar com esses cuidados para crescerem.
Para mudar a realidade de mulheres sobrecarregadas, é fundamental reconhecer o quanto a sociedade se beneficia da Economia do Cuidado. Além disso, questionar a cultura patriarcal que ainda coloca as mulheres como principais responsáveis pelas tarefas domésticas.
Por fim, Caroline também lembra que o contexto em que vivemos, de maneira nenhuma, deve ser visto como a solução de todos esses problemas tão intrínsecos na nossa sociedade.
“O home office é ótimo para pais e mães. O home office na pandemia não é home office. Estamos apenas tentando sobreviver e nesse cenário eu não vejo prós. O que existem são pais desesperados e crianças crescendo isoladas da família, da escola e dos amigos”.