Ideias no papel e cabeça no lugar, os componentes de uma carreira de sucesso
Para competir com o ritmo mecânico do mercado de hoje, só mesmo pensando fora da caixa; mas sem deixar a cabeça superaquecerNo filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (2005), o pai do garoto Charlie Bucket perde o emprego em uma indústria de pasta de dente para um braço robótico, que faz o trabalho de tampar as bisnagas de forma muito mais rápida. O longa, relançado há 14 anos e carregado de metáforas, deixa uma série de lições necessárias e valiosas – ainda que não tão doces de engolir quanto os cenários de Tim Burton.
Assim como o esforçado Senhor Bucket, às vezes ficamos para trás à medida que não companhamos o progresso da tecnologia, dos serviços ou mesmo de um mercado competitivo. E, de forma similar, também precisamos cavar fundo na cabeça para buscar soluções e voltar à competição.
Para superar essa tal concorrência “mecanizada”, contra adversários que não são necessariamente de lata, só mesmo pensando fora da caixa. Por mais industrial que seja o ritmo do mercado atual, com funcionários eficientes, mas limitados, quando há um empate no quesito eficiência, o vencedor se sobressai na capacidade de criar.
E isso não se faz com braço biônicos ou com as repetições de sempre. O que nos difere de máquinas, animais – e do óbvio – é a capacidade de ir além, seja com rápidas sinapses em nossas tomadas de decisão, ou na elaboração de ideias práticas, seja em uma campanha inteligente ou em uma melhoria que ninguém enxergou. E se essas habilidades humanas nos dão asas (sem mesmo precisar de energéticos entre as reuniões), também não nos eximem de ficar entre erros e acertos.
O importante é se arriscar sempre. Para o gerente nacional de Key Accounts da Under Armour, Fabiano Souza, criar e ter uma atitude ousada podem ajudar a prever o rumo do negócio no curto prazo. Quando se perde a timidez e o “clique” é aplicado sem medo, é possível avaliar quão suscetível a mudanças está o seu serviço, evitando possíveis derrapagens e, claro, podendo gerar um efeito positivo.
Funciona como um termômetro. “Claro que as grandes marcas estão sempre se reinventando e buscando tecnologias novas e um diferencial. Mas nós temos que fazer também uma boa análise de desempenho para buscar um possível gap, seja para detectar oportunidades como para prever problemas”, conta.
‘Tente outra vez’, diria aquela velha canção. Mas para persistir com eficácia, o importante é levar em conta todos os fatores, equilibrando uma cartada de mestre e a hora certa de colocá-la no jogo.
Segundo o executivo, conciliar esses elementos torna a ideia mais efetiva, o que evita que seja desperdiçada. E como esses lampejos inovadores não são fruto da mesmice e nem dos que trabalham ao estilo linha de produção, é essencial ser criativo, visto que o “o mercado já não aceita” quem não pensa assim, conta o gerente.
“A criatividade profissional é muito importante. Lembro que comecei em outra grande empresa do ramo esportivo como assistente comercial, mas sempre gostei de fazer análises e entregar tudo mastigado para os gerentes, detectando o que estava ruim e poderia melhorar. Isso ninguém fazia. Hoje o mercado já não aceita falta de iniciativas. Precisamos de pessoas que pensam”, diz.
Caso uma ideia surja, o ideal é não se acanhar. “Mostre para seu superior. Isso é fundamental, se você pensa em crescer na sua carreira, sendo gestor ou diretor, você precisa ter esse mindset – ou vai ficar estagnado na mesma posição, como um robô”. Olho sempre no futuro, mas nada de se robotizar.
Continue a nadar (Só não exagere)
A definição de resiliência é ampla e acompanhada de muita polêmica. De acordo com a coach de vida e carreira Cecilia Pavan, o termo pode ser resumido a “aprender a conviver com o ‘cai levanta, cai levanta’ que faz parte da vida”, algo que torna nossa rotina mais feliz quando se “aprende a viver com isso”.
Obviamente, lidar com os baques da vida é algo inerente à existência humana, mas não estamos nesta vida só para sofrer. Para distinguir o que é resiliência da romantização do sufoco, segundo a especialista, precisamos “ter clareza no que queremos, principalmente em relação à vida profissional”.
“Quando temos essa clareza a nosso favor, não romantizamos o ‘perrengue’ e, dessa forma, podemos persistir. Ou mesmo recalcular a rota, algo que faz muito sentido dentro de uma carreira. Às vezes temos um sonho, mas vemos que ele muda. Dessa forma, estar aberto a mudanças faz parte da resiliência”, completa.
A solução está em uma palavra mágica: efetividade. Você conhece aqueles viciados em reuniões sem sentido? Pessoas assim são reféns de uma análise de desempenho que, vez ou outra, mostra números que não correspondem a performance, mas ao alto volume. É bom lembrar que, em alguns momentos, menos é mais.
Da mesma forma que de nada serve um colaborador que se limita a viver o dia a dia sem estimular a criatividade, não adianta se matar no escritório achando que isso vai fazer de você um profissional exemplar.
No limite
Parece lógico, mas muita gente ainda acha que o sinônimo de ‘trabalhar bem’ é ‘trabalhar até chegar em casa feito um trapo’. Um dos argumentos contrários a isso é o aumento de casos de burnout (ou esgotamento profissional), que já entra no radar da Organização Mundial da Saúde (OMS) para integrar a nova Classificação Internacional de Doenças (CID).
Segundo a psicóloga Leticia Innocencio, esse transtorno não atrapalha só a vida no expediente. “Não acarreta só em problemas no trabalho, como traz sintomas para a vida pessoal. Começa com desmotivação, insegurança, baixa energia, até compor um quadro depressivo. São coisas associadas”, explica.
Com o crescimento do estresse no trabalho, é essencial que o cuidado com a saúde mental entre em cena. O ideal não é só recorrer ao apoio de um psicólogo quando a situação estiver difícil, mas sim manter a vida em equilíbrio mesmo na época em que tudo parecer em ordem.
“Fazer terapia é muito importante na construção de uma carreira de sucesso. Esse cuidado significa investir em uma postura mais assertiva, segura e vai ajudar a superar dificuldades. Alcançar patamares altos não acontece sempre por um caminho tranquilo. Cuidar da mente vai sempre ajudar a tomar as melhores decisões nesse trajeto”, explica.
Se permitem a heresia do spoiler, o Senhor Bucket, preterido pela gerigonça de aço, termina o filme sendo recontratado pela empresa de pasta de dentes ao consertar justamente máquina que tomou seu cargo. Não é certo que em todos os nossos tropeços, retornaremos de forma triunfal como ele. Mas como moral da história, podemos entender que com paciência e atitudes efetivas chegamos lá.
Marque na agenda
Pode parecer desanimador, mas não basta ter boas ideias e a mente bem cuidada para que o brainstorming se faça sozinho. Se você vive um fluxo de criatividade, comece a desenvolver
pequenos hábitos no seu dia a dia que não deixem os devaneios valiosos desaparecerem.
As dicas da executiva de marketing da Johnson & Johnson, Mahya Baldacci, são bastante práticas. Tudo começa identificando o tamanho da ideia, “já que coisas muito ambiciosas podem parecer inalcançáveis no primeiro momento”, conta. Aposte em uma visão panorâmica.
“Qual o esforço necessário e qual impacto minha ideia vai causar? Se for um esforço enorme para um impacto pequeno, a ideia não precisa ser priorizada – talvez não naquele momento. Mas quando a empreitada vale a pena (ou é necessária), o ideal é dividir sua grande ideia em pequenas partes. Fica mais fácil visualizar e entender como executar”, diz.
A partir disso, vale a pena seguir alguns passos e responder às perguntas:
1. Quais áreas serão necessárias?
2. Quem responde por essas áreas?
3. A ideia é atingível?
Como ações precisam ser aprovadas e há uma hierarquia a se respeitar, o ideal é montar uma apresentação ao estilo fluxograma com essas questões já respondidas, a fim de se antecipar. Mais importante do que isso, tente mostrar que a ideia partiu de você, mas pode motivar mais pessoas da própria empresa.
“É importante estruturar seu pensamento. Use post-it, PowerPoint, colha opiniões de uma equipe multifuncional, envolva outras áreas. Se você traz outras pessoas para um projeto, elas sentem que são responsáveis por ele também”.
Além do expediente
Buscar motivação também é algo que se faz da porta para fora. Quando em uma fase de seca criativa, o ideal é ir em busca de um certo tempero para aguçar as têmporas. Para o Diretor da Banco de Eventos, Marcio Esher, trabalhar motivado significa “acordar todo o dia com a missão de dar um ‘show’”. Por isso, mexer o corpo é importante. Ou mesmo ir de encontro a algo que te faça dar um show.
Ouvir o que outros profissionais têm a dizer é um bom investimento. Como o tempo é curto, una a necessidade à descontração e busque palestras, simpósios ou mesmo grupos de debate para arejar as ideias. Nem tudo precisa ser feito com uma gravata no pescoço. Para Esher, isso ajuda a manter o equilíbrio.
Da mesma forma, é preciso estimular o pensamento respeitando os limites (muitas vezes exageradamente estreitos) entre vida e carreira. Quando fazemos isso com parcimônia, essas frentes se complementam: “A maneira mais fácil de planejar nossa trajetória é entender que a vida profissional e a pessoal são duas linhas paralelas que devem sempre estar em ascendência e nunca devem se cruzar, a fim de evitar um possível conflito”, alerta.
Marcio Esher acredita que uma cabeça criativa precisa de um leque de atividades rotineiras, como “lazer, viagem, busca pela cultura, família, esporte, diversão”. “São momentos que trazem experiências e prazeres que sem dúvida alguma deixam o profissional ‘arejado’, pronto para fazer a diferença no seu trabalho”.
“Ir a campo é fundamental”
O ato simples de sair do lugar do dia a dia já pode oferecer uma quebra de paradigmas, afastando o comodismo mental e revelando novas possibilidades. Com um bloquinho e uma caneta, é possível pinçar o que, lá na frente, pode virar matéria-prima para aquela ideia de ouro.
O VP de Criação da ROCK Comunicação, Carlos Gurgel, defende o contato com o universo existente fora da empresa: “Ir a campo é fundamental. Na Rock Comunicação, não apenas estimulamos como oferecemos a possibilidade para que nossos colaboradores estejam sempre em contato direto com os mais variados eventos e acontecimentos da área de live marketing, inovação e tecnologia”.
Para o executivo, colocar a multi disciplinaridade em prática gera ganhos e agrega valor ao serviço: “Em termos criativos, é essencial que possamos aliar o desk research [levantamento/apuração de dados e informações] à vivência in loco nos eventos para que se possa agregar valor às nossas entregas”, aponta.
E qual o poder que isso rende ao profissional?
Para Gurgel, a palavra é “vantagem competitiva”, uma velha conhecida do mundo corporativo, que pode ser definida como a diminuição da concorrência por meio de um diferencial no serviço. Como profissionais são ativos da empresa, se eles ganham, a empresa ganha também. E se a empresa se fortalece – e aumenta benefícios e premiações – os colaboradores comemoram. Deve-se admitir que a troca é válida; e não custa nada bater perna por aí.
“Acreditamos no poder da criatividade como vantagem competitiva em um mercado cada vez mais saturado. E o poder das ideias não pode se render ao comum. Além de participar de maneira passiva dos eventos, acredito que é também papel da agência propor o diálogo, trazendo novas discussões para o mercado”, encerra.
Com tudo isso – da ousadia criativa ao plano equilibrado de carreira e das sessões de terapia ao brainstorming pessoal – não é difícil perceber que o ponto primordial na construção de uma carreira sólida é não se acomodar. Mesmo na maré boa, precisamos remar aqui e ali para nunca sair da rota certa, ou mesmo buscar uma nova. Busque, inove, desafie-se e cuide de seu principal alicerce: você mesmo.