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Linguagem inclusiva: da vida para a língua

Foto: Pixabay
Em sua estreia na Revista EBS, Vivian Rio Stella assina um artigo sobre inclusão através da linguagem. "Negar ou criticar os usos..."

Publicado em 13/12/2021

Todes, todxs, tod@s, todas e todos. O uso do chamado “gênero neutro” está acontecendo em empresas, universidades, escolas, algo que vem ocorrendo há alguns anos e foi impulsionado, principalmente, pelas redes sociais e publicidade. Marcas que se posicionam como mais modernas, inclusivas e com políticas de diversidade decidem pelo uso de ‘e’, ‘x’ e ‘@’ em vez de usar marcadores de masculino e feminino, para contemplar os indivíduos não binários que não se identificam com os dois gêneros pré-definidos.

Na área acadêmica, por exemplo, o uso de “car@s” em e-mails e documentos ocorre há pelo menos dez anos. Em outros contextos, disseminou-se o uso do “x”. Quais são os problemas dessas duas marcações? Qualquer dispositivo que se valha de áudio não consegue identificar o som a ser pronunciado ao se deparar com “todxs”. Então, passou-se a adotar a forma ‘e’ para marcar o “gênero neutro”. 

Esse breve percurso não se pretende científico, mas aproveito o espaço para esclarecer o papel do linguista, cientista da linguagem, pouco consultado quando a polêmica surge ou quando empresas e outras instituições decidem ou não pelo uso da linguagem inclusiva. Nosso papel como estudiosos dos fenômenos da língua não é ser normativo para determinar se devemos usar uma forma ou outra, mas sim estudar como é a ocorrência desses marcadores nas suas mais variadas formas, contextos de fala ou escrita, tipos de palavras em que a variação ocorre e articular com o sistema da língua. 

Vale pontuar também que nada é neutro em linguagem, por isso você lê o termo “gênero neutro” neste texto marcado entre aspas. Quando uma marca escolhe usar o ‘e’ em palavras de seus posts, comunicados ou campanhas, ela se filia a um discurso inclusivo, em prol da diversidade. Há, inclusive, empresas que usam o “todes”, mas que não tem políticas inclusivas efetivas, não só para LGBTQIA+, mas também para as mulheres, os negros, as pessoas com deficiência.

E essa é sempre a ponderação que faço quando sou consultada sobre usar ou não o “e”: em que medida há práticas inclusivas e em que medida é só colocar esse marcador não binário na língua e o discurso não refletir a prática? Porque o essencial é que a escolha linguística acompanhe as práticas culturais da instituição e da sociedade como um todo.  

O tema do tal “gênero neutro”, que, na verdade, é sobre linguagem inclusiva é, no mínimo, polêmico, porque ainda existe um imaginário de que a língua é imutável, como se ela fosse uma joia preciosa, muito associada à gramática e a chamada “norma culta”. Como Marcos Bagno e tantos outros linguistas afirmam, a língua não pode ser usada como instrumento de exclusão. A língua é viva, complexa, inclusiva, diversa, uma atividade interativa e, portanto, feita pelos falantes nos contextos de uso. 

Negar ou criticar os usos é assumir uma postura normativa em relação à língua.  Especificamente, sobre o uso de termos inclusivos e marcadores não binários nas palavras, é importante pontuar que, desde 2005, circulam documentos elaborados por órgãos públicos de diferentes estados que estimulam uma linguagem menos excludente. 

Língua e sociedade caminham e se transformam mutuamente e as escolhas linguísticas não são um retrato, mas um trato do mundo. Ao escolher por “todes”, “todas e todos” ou “todos”, revelamos nossa visão de mundo, nossa forma de lidar com ele, por meio das palavras, a identidade que queremos projetar para as pessoas com quem interagimos. 

Não há neutralidade no uso da língua, o que precisa haver são práticas inclusivas, menos preconceito e julgamento, mais abertura às mudanças na língua e na sociedade. Discutir o uso de “todes” é a ponta do iceberg. 

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