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Coragem para ser original

Ser original parece, em qualquer circunstância, um elogio digno de nota. Talvez porque a originalidade remeta a alguma forma de distinção que nos faz sentir únicos.

Ser original parece, em qualquer circunstância, um elogio digno de nota. Talvez porque a originalidade remeta a alguma forma de distinção que nos faz sentir únicos. Ou, melhor ainda, faz acreditar que somos aqueles que “originam” comportamentos, que lançam as modas e tendências que outros depois seguirão.

Mas ser original raramente é para todos, até por definição. Se original é aquele movimento inovador que rompe com o padrão dominante, ele por definição deve ser criação de alguém fora do padrão dominante. É original justamente por ser único, distinto do todo. E é sempre mais fácil ser parte do todo do que a nota dissonante. Seria fácil, se fosse só isso.

Ser original implica correr riscos. É mais seguro seguir a onda, entrar na manada e se perder na massa indiferenciada. Numa festa em que todos estejam vestindo terno azul marinho, aparecer de jeans rasgado e camiseta com a estampa do Mickey Mouse é um bocado original, mas flerta perigosamente com a estupidez. Toda originalidade tem uma dose elevada de risco e precisa de algum cálculo, porque nem tudo que é original é inteligente, útil ou digno de admiração.

E aqui começam os problemas, porque a originalidade será tão maior quanto menos ela prestar continência para as convenções. O risco do fiasco em praça pública e do escárnio eterno é o pedágio que os originais pagam pela promessa de atingir o reconhecimento e os milhões que premiam a ousadia daqueles que vencem o status quo. Mas talvez o preço mais caro que a originalidade cobra seja o terror da rejeição. Ser original é arriscar não ser aceito em nenhum clube. É sempre mais seguro se agarrar às nossas certezas pétreas do que desafiar as verdades estabelecidas, mesmo quando elas são realidades terríveis, que só sobrevivem porque ninguém teve a coragem de dizer que elas não prestam.

A gente pensa que gosta de ser original, mas ante nosso terror ancestral e uterino de sermos rejeitados, preferimos o conforto de pertencer às nossas tribos, mesmo quando elas são bárbaros.

Exemplos não faltam. O escravagismo já foi o padrão dominante, enquanto a ideia de que a liberdade era um direito inalienável da espécie humana era um pensa- mento original, para não dizer absurdo. Isso para não cansar o leitor com uma lista enciclopédica de casos similares.

Durante mais de vinte anos trabalhando em uma agência de publicidade eu descobri que todos os clientes pedem ideias inovadoras e ousadas, mas toda vez que se deparam com a assustadora possibilidade de escolher uma abordagem realmente inovadora, muitos se afogam nos próprios suores que o medo do salto no escuro provoca, inventam muletas semânticas para justificar a escolha das velhas fórmulas batidas de sempre e dormem o sono dos justos e medrosos em seus travesseiros de linho egípcio.

Dizem que toda vez que provamos de algum fruto proibido somos proibidos de algum paraíso. Ser original custa caro. Pelo pecado original, Adão e Eva foram expulsos do Paraíso. Foram condenados porque provaram da árvore do conhecimento. Santa ironia. Deve ser por isso que dizem que a ignorância é uma benção.

Tem certas horas que é melhor nem saber que a gente não sabe aquilo que ainda não sabemos.

Os originais com alguma frequência são crucificados em praça pública. Mas boa parte do avanço humano foi provocado por pensamentos originais. Gente que ousou dizer que deveríamos perdoar ao invés de se vingar, gente que acreditou que brancos e negros deveriam ser iguais, gente que acreditou que seria possível voar, enviar cartas pelo computador e derrotar doenças. O pensamento original tem ajudado a tornar árvore do conhecimento mais frondosa.

Quem sabe um dia a originalidade nos restitua o Paraíso confiscado também.

(*) Artigo publicado na edição 23 da Revista EBS

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